Ultimamente
temos verificado, por parte de alguns titulares de cargos públicos ou
equiparados, um exercício de funções sem a lisura que se exige, e por isso
seria bom recordar as palavras, em tom de advertência, do Senhor Presidente da República
no 5 de outubro passado: “são casos a
mais de princípios vividos a menos”, isto como ponto de partida para a
projeção do que poderá, ou melhor se me é permitida a audácia, deverá ser
Portugal em 2050.
Partindo para essa prognose ousada, começaríamos certamente por elencar no topo das prioridades uma mudança no comportamento dos atores políticos no sentido de uma maior responsabilização das suas ações, a tão propalada accountability anglo-saxónica. Torna-se claro que essa maior responsabilização deverá vir acompanhada de uma maior retribuição em termos financeiros para quem transita no espaço público: não tenhamos ilusões, se queremos os melhores temos, enquanto coletividade, de proporcionar uma melhor remuneração aos servidores públicos. É um esforço que, não temos dúvidas, nos poupará milhões em perdas por gestões incompetentes, ou como se costuma dizer, há casos em que “o barato sai caro”. Esta medida poderá contribuir para uma diminuição significativa da corrupção e do compadrio no plano estatal e fechar de vez a porta giratória para outros negócios menos claros em que a atividade política se transformou. A regulação restritiva do lobby poderá ser outra medida importante, juntamente com a criação de um código de ética rígido para o exercício de funções públicas e com sanções penais, e não meramente políticas, em caso de violação.
Passando agora para um dos pilares fundamentais do Estado, a Educação, devemos dizer que há muito a fazer nesta importantíssima área. A premiação do mérito é uma delas. Ora o mérito só se afere de forma justa e equitativa através de uma avaliação rigorosa e regular dos conteúdos educativos. A ideia, veiculada por uns quantos, de que a eliminação dos exames nacionais promoveria uma maior igualdade entre os estudantes, não passa de um sofisma. Na verdade, isso significaria, em termos objetivos, a criação de um fosso maior entres as diferentes camadas populacionais, pois o Estado ficaria sem instrumentos de verificação eficazes que lhe permitissem alocar recursos para os distritos escolares com maiores dificuldades. A solução parece-nos ser o reforço da avaliação como forma de promover o esforço e consequentemente o mérito dos nossos jovens estudantes. Aqui, os hábitos de leitura são de suma importância, porque só uma leitura frequente permite desenvolver uma boa capacidade de raciocínio e de escrita, fundamental para a adequada formação dos jovens de hoje e quadros do amanhã.
No que toca à Saúde deve haver uma racionalização dos serviços, tendo em conta as realidades locais, isto sem pôr em causa o acesso dos cidadãos, e um dos aspetos em que esperamos chegar a 2050 com um cenário completamente diferente é o da atribuição de médicos de família às populações, ainda insuficiente, malogradamente. No que toca à liberdade de escolha ela deve ser acautelada sempre que possível, se bem que de forma proporcional, sobretudo para não criar assimetrias, o que vale igualmente para o setor educativo. Relativamente a políticas de saúde pública propriamente ditas, não esquecer o drama que vive a Saúde Mental, em que é necessário investir muito mais na criação de práticas de cuidados continuados, pois as mais das vezes há tendência a desvalorizar as doenças mentais, em que as pessoas sofrem num silêncio excruciante (veja-se, a titulo de exemplo, o caso da depressão) por ainda ser uma temática malvista socialmente e assunto tabu em muitas famílias.
No concernente à Segurança Social, a sua sustentabilidade está diretamente ligada à taxa de natalidade: o peso demográfico da população idosa constitui um dos desafios mais prementes para as gerações vindouras. Aqui o Estado deve ter um papel ativo na promoção de políticas natalistas, a nível fiscal, de licenças de maternidade e paternidade, atribuição de subsídios como forma de incentivo, etc. Quanto à reformulação do sistema, que parece evidente num futuro próximo, seria de ponderar, assim que possível, a introdução de um sistema misto em que o contribuinte descontasse parte dos seus rendimentos para uma espécie de conta própria, à qual poderia aceder no final da idade ativa, isto em conjugação com o sistema atual em que são os contribuintes a sustentar o Fundo de Pensões.
Não queríamos deixar de mencionar uma problemática muito atual, a da mobilidade urbana e suburbana. Sabemos que, devido à degradação geral e progressiva dos meios de transporte, os cidadãos têm cada vez menos opções para se deslocar nos seus movimentos pendulares, aumentando indesejavelmente o rácio de poluição por quilómetro quadrado nas grandes urbes, com consequências nefastas ainda por se manifestarem na saúde coletiva. Um dos caminhos, embora admitamos perfeitamente que esta visão não é unívoca, será o da privatização parcial dos transportes públicos. Existem setores em que o Estado, mais do que um facilitador, se poderá constituir antes num obstáculo ao livre desenvolvimento de plataformas inovadoras de transporte (tome-se como exemplo disso a Uber e o Cabify). Os cidadãos não querem falta de bilhetes nas estações e têm o direito de viajar com condições mínimas de conforto – pagam por isso, e não é pouco! Trazendo à colação o exemplo de Lisboa: não podemos aceitar a canibalização das composições do Metro, uma vez que isso coloca em causa a segurança dos utentes dos transportes. Por último, mas não menos importante, referir que as populações do interior merecem uma rede de transportes mais desenvolvida e regular no seu funcionamento e acesso.
Espero com este singelo exercício de cidadania ter contribuído para a reflexão do que poderá ser Portugal em 2050, um horizonte que vemos hoje com o otimismo da juventude, num país que já deu mundos ao Mundo e que tem quadros altamente qualificados nos mais variados domínios (desde a ciência, literatura, política, até ao desporto e ao mundo empresarial), sempre com a ideia de que, como escreveu o poeta, “falta cumprir-se Portugal”. E de facto, em abono da verdade, falta ainda cumprir-se muito Portugal. Por isso, caros jovens de Portugal, cumpramo-lo com força e vigor! Que assim seja, pois esta é a nossa Voz, a Voz dos Jovens!
(PS:
não podia deixar de manifestar o nosso pesar pelo falecimento do Professor João
Lobo Antunes, personalidade ímpar na sociedade portuguesa, pelo seu humanismo,
cultura, inteligência, dignidade e excelência no exercício das suas funções,
não só como médico, mas também como Presidente do Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida e nos mais variados domínios – de recordar que é
recipiente do Prémio Pessoa – e, sobretudo, pelo exemplo de vida encorajador
que lega aos jovens do nosso País).
Sem comentários:
Enviar um comentário