quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Quo Vadis Portugal?



Analisando a situação social e política atual, estamos perante um momento de (in)definição em que cada um deve tomar uma posição e assumir as consequências dessa escolha.

No dia 4 de Outubro ocorreu em Portugal aquilo a que nos países anglo-saxónicos se convencionou chamar de “hung parliament”, ou seja, uma configuração parlamentar onde os partidos tradicionais de poder (o dito “arco da governação”) não lograram a obtenção de uma maioria absoluta que assegurasse a estabilidade governativa. Tal não constitui, no nosso sistema político, novidade, senão pelo facto de, desta vez, existir uma bipolarização quase perfeita entre esquerda e direita. Digo quase uma vez que, enquanto a direita constitui uma coligação programática coerente e coesa, tal já não sucede à esquerda do espectro partidário, provocando uma distorção nesta bipolarização que apesar de favorecer, numa primeira análise, a Coligação, na prática, e no caso da não obtenção de uma maioria absoluta por parte desta, a impede de formar Governo, em virtude da esquerda ter a maioria aritmética dos mandatos na Assembleia da República.

Embora essa maioria, por seu lado e por definição, não seja nem coerente, nem coesa e muito menos programática como a da Direita, por vicissitudes ou razões várias. Uma delas explica-se pelo “centralismo democrático” quer do Partido Comunista Português (mais “Verdes”), quer do Bloco de Esquerda, que possuem uma visão da esquerda bem diferente da do Partido Socialista, que se identifica como pertencendo à corrente do socialismo democrático por oposição ao socialismo, digamos, centralista propugnado por PCP e BE, em que se verifica uma estrutura vertical rígida de comité central, com pouco espaço para a dissensão interna.

E mais, em termos programáticos as diferenças só se acentuam visto que o PS é, para todos os efeitos, o partido português europeísta por excelência, tendo promovido fortemente a adesão de Portugal à então CEE, em 1986, tomando parte, direta ou indiretamente, na assinatura de todos os tratados europeus desde então. Já o Bloco e o PCP são visceralmente contra o Tratado Orçamental, contra a OTAN e contra o cumprimento dos compromissos internacionais do país. Isto cria uma situação em que o PS, por si só, é incapaz de se constituir como uma alternativa viável de Governo, visto que não consegue suplantar em votos o bloco de direita, tendo de se aliar, contra a sua própria natureza, à esquerda radical para poder formar Governo.

No atual conturbado xadrez político em que estamos envolvidos, isso significa o quebrar de uma já longa convenção política estabelecida, em que a força vencedora governa. Apesar da solução agora engendrada por António Costa não carecer de legitimidade formal e subverter, de certa forma, o processo democrático, carece de legitimidade substancial uma vez que não venceu as eleições, não devendo, a meu ver, derrubar um Governo minoritário da Coligação para instalar um Governo minoritário do PS, com um duvidoso acordo de incidência parlamentar, aparentemente apoiado pelos partidos à sua esquerda... 

A única via, tolerável pelo eleitorado, para Costa tentar “salvar a face”, seria a formação de um Governo unitário de esquerda, com PCP e Bloco responsabilizados pela governação, o que, no entanto, se afigura muito difícil pois, como bem notou António Barreto, na Grande Entrevista da RTP, em Portugal existem várias “esquerdas”, contraditórias entre si, semelhantes a duas linhas paralelas que nunca se tocam, e que muito dificilmente formariam um Governo estável, política e programaticamente.

A fim de obter essa propalada legitimidade substancial a esquerda ter-se-ia que unir em volta de um programa comum (qual novo Frentismo…) e obter, nas urnas, a maioria absoluta, dizendo ao que vem, em coligação pré-eleitoral, no que consubstanciaria uma mudança de regime, para uma bipolarização perfeita, onde um dos blocos obteria uma maioria estável de Governo ou, porventura, não. Com efeito, tal situação poderia configurar para o PS um possível esvaziamento eleitoral, tanto à sua esquerda como à sua direita, pois significaria uma inflexão ideológica que o encostaria à esquerda radical, afastando-o do seu espaço histórico natural, o centro. Para o PS poderia esta nova realidade redundar na sua “pasokização”, deixando-o fora da esfera governativa por longos anos - os eleitores tenderiam a preferir o original (BE) a uma cópia mal feita.

Para a Coligação restaria a dramatização constante, temperada por uma oposição responsável, recusando o seu assentimento às leis da “esquerda oportunista” (nas palavras de António Barreto, figura insuspeita da dita), deixando-a governar a seu bel-prazer, até que no seio desse Governo frentista se desse um inevitável choque, próprio de alianças contranatura.

É tudo uma questão de tempo até à convocação de eleições antecipadas pelo novo Presidente da República, onde, acredito, a Direita se baterá galhardamente por uma maioria absoluta, ocupando o espaço deixado em aberto pelo PS ao centro, permitindo-lhe continuar as reformas estruturais de que o país tanto carece, na sequência do processo de ajustamento desencadeado pela vinda da troica, ainda durante a vigência do Governo Sócrates.


Robert Neves

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